Olá, pessoal!!!

Vocês conhecem os principais riscos de erros e fraudes na contratação por dispensa de licitação com base na Lei nº 13.979/2020 (Covid-19) e sabem como evitar responsabilização?

Com a declaração da pandemia do Covid-19 pela Organização Mundial de Saúde - OMS, vários países editaram leis contemplando medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. No Brasil, foi editada a Lei nº 13.979/2020, que contempla, no art. 4º, a possibilidade de dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia e insumos destinados ao enfrentamento do Covid-19.

Apenas no Governo Federal foi orçado o montante de R$ 20,29 bilhões para enfrentamento dessa pandemia, conforme consignado na Ação Orçamentária 21C0 – Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus (atualizado até o dia 16/04/2020) [1].

Como nós sabemos, todas as atividades no setor público envolvem riscos. No caso específico das contratações realizadas para aquisição de bens e serviços para enfrentamento do Covid-19, destacam-se os riscos de erros (desperdício), tais como estimativa inadequada de quantidade, aquisição de produto ruim em função de uma especificação mal feita, publicidade precária, sobrepreço, superfaturamento e também riscos de fraudes (corrupção). São exemplos de fraudes em uma dispensa de licitação a apresentação de certidões de regularidade adulteradas, conluio entre as empresas e servidores da organização, atestados falsos, direcionamento, etc.

Segundo a ACFE (Association of Certified Fraud Examiners), em seu Report to the Nations on Occupational Fraud and Abuse, de 2014, esquemas de fraudes e corrupção são um risco elevado para todos os departamentos de uma organização, mas são um risco particularmente alto na área de compras (74% dos casos) [2].

E esse aumento de risco no setor de compras tem relação direta com a oportunidade. Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos realizada pela PricewaterhouseCoopers em 2018 indicou que para 59% dos entrevistados a oportunidade é o principal fator que contribuiu para a prática criminosa. No Brasil, esse número aumenta para 65%. A oportunidade esté relacionada com ausência ou à ineficiência de controles internos; ausência de fiscalização/regulamentação/punição [3]. 

Na esteira dessas constatações, considerando o risco elevado de erros e fraudes nas contratações realizadas para o enfrentamento da situação de emergência causada pelo Covid-19, detalharemos, a seguir, os 5 (cinco) principais riscos à Administração Pública na realização de dispensa de licitação com base na Lei nº 13.979/2020:

Risco#01 – Aquisição com fundamento na Lei nº 13.979/2020 sem vinculação com a emergência decorrente do Covid-19

Os objetos que podem ser utilizados como hipótese de dispensa de licitação se restringem a (Art. 4º):

✅ Bens;

✅ Serviços, incluindo os de engenharia; e

✅ Insumos de saúde.

Nesse sentido, é possível comprar diretamente, por exemplo, máscaras, luvas, sapatilhas, álcool 70%, touca, avental, cama hospitalar, ventilador pulmonar, monitor multiparamétrico, ambulâncias, etc. Além disso, pode-se contratar serviços como manutenção preventiva e corretiva de ventilador pulmonar, leitos de UTI, mão de obra terceirizada para separação e transporte de medicamentos, etc.

Em todo processo de contratação decorrente da Lei nº 13.979/2020 deve existir nexo de causalidade entre a aquisição do bem ou serviço e o combate à situação emergencial, não se admitindo contratação com finalidade diversa.
 
Por esse motivo, é importante que o gestor justifique o caso concreto e evite utilizar a dispensa de licitação para compra de objetos não contemplados na situação de emergência. Alguns estados, por exemplo, estão utilizando a Lei nº 13.979/2020 para aquisição de kits de itens da alimentação escolar para distribuição às famílias, tendo em vista que as aulas na rede estadual de ensino foram suspensas. 
 
Nesse caso, contratações dessa natureza precisam ter demonstração robusta de que são destinadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, sob o risco de serem questionadas pelos órgãos de controle. 
  
Além disso, é importante destacar que a norma não contemplou a possibilidade de utilização da dispensa de licitação para contratação de obras públicas (Item 2.1, "c" do Parecer-n-00002-2020-CNMLC-CGU-AGU da Advocacia-Geral da União) [4].
 
Dessa forma, a aquisição com fundamento na Lei nº 13.979/2020 sem vinculação à emergência decorrente do Coronavírus é um risco que se materializado caracteriza uma irregularidade grave, podendo levar à responsabilização dos gestores que deram causa. Embora exista o nobre propósito de salvar vidas, não se deve perder de vista os cuidados que todo administrador deve ter no manejo dos recursos públicos.
 
Risco#02 – Estimativa inadequada de preços
 
No processo de planejamento da contratação, a administração deve apresentar ampla pesquisa de preços, tendo em vista a necessidade de verificar os preços praticados no mercado e se os recursos financeiros disponíveis permitirão o atendimento planejado. 
 
No caso específico de contratações decorrentes da Lei nº 13.979/2020, essa obrigatoriedade de elaboração de uma cesta de preços aceitáveis para compor o preço de referência foi flexibilizada. Conforme disposto no inciso VI, do § 1º, do art. 4º-E, a estimativa de preços será obtida por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros:

✅ Portal de Compras do Governo Federal;

✅ Pesquisa publicada em mídia especializada; 

✅ Sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; 

✅ Contratações similares de outros entes públicos; ou  

✅ Pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.
 
Considerando que os preços atuais de bens e serviços de saúde não seguem o padrão anteriormente praticado no mercado, em função do aumento mundial da demanda, o  § 3º do art. 4º-E da citada lei orienta que “os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do caput não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos”.

A lei permite até mesmo a dispensa da estimativa de preços, desde que justificada pela autoridade competente (§ 2º do art. 4º-E). 

A pesquisa de preços é uma das etapas mais críticas do processo de contratação e pode levar à responsabilização dos gestores, pois uma estimativa mal feita quase sempre resulta em sobrepreço e superfaturamento.
 
Veja o caso de um prefeitura no interior de Mato Grosso. No Pregão Eletrônico nº 14/2019, homologado em 11/10/2019, a prefeitura comprou 750 unidades de álcool etílico, concentração/dosagem 70%, forma farmacêutica Gel, forma de apresentação frasco ou refil de 500 mililitro, pelo valor unitário de R$ 3,49. Para enfrentamento do Coronavírus, foi realizada Dispensa de Licitação nº 35/2020, ratificada em 30/03/2020, contratando uma quantidade de 20.000 unidades de álcool gel 70%, por R$ 28,00, um aumento de 702%.
 
Destaca-se que no mesmo mês (02/03/2020) uma prefeitura vizinha (distante 141 Km) formalizou Ata de Registro de Preços com 902 unidade de álcool gel 70% por R$ 5,25 e também o Ministério da Saúde celebrou o Contrato nº 40/2020 para compra de 100.000 unidade de álcool gel 70% pelo valor unitário de R$ 3,91.
 
Nessa situação em comento, a prefeitura que contratou por R$ 28,00 deverá demonstrar no processo de dispensa de licitação, entre outros requisitos, que consultou o maior número possível de fornecedores e que o preço contratado é compatível com o novo paradigma de preços praticados no mercado.

Em outro caso, foi noticiado que o MPRJ apura superfaturamento de R$ 4,9 milhões na compra de respiradores pulmonares adquiridos por meio de dispensa emergencial para enfrentamento do Covid-19 [5].
 
A contratação e o pagamento com sobrepreço, na visão do TCU, sujeitam o fornecedor a responder solidariamente pelo prejuízo, junto com agentes públicos que tenham agido de modo irregular. Isso porque o fornecedor, nesse caso, se beneficia dos valores superestimados.
 
Para o Tribunal, é dever do licitante ofertar preços compatíveis com os paradigmas de mercado, independentemente de haver erro no orçamento do órgão contratante. Será ainda pior a responsabilidade da empresa que tiver contribuído para a elaboração da estimativa errada (Acórdãos TCU nº 1.304/2017-P e 183/2019-P).

Além disso, a prática de elevar, sem justa causa, o preço de produtos e serviços é considerada abusiva pelo art. 39, X, do Código de Defesa do Consumidor, sujeitando o fornecedor às penalidades administrativas a serem aplicadas pelo Procon e outros órgãos administrativos de defesa do consumidor.

Destaca-se, ainda, que o aumento arbitrário dos lucros pode configurar infração à ordem econômica, nos termos do art. 36, III, da Lei n.° 12.529/2011.
 
Risco#03 – Estimativa de quantidade de bens e serviços inconsistente

Na dispensa de licitação com base na Lei nº 13.979/2020 (Covid-19), a Administração deve demonstrar a relação entre a demanda prevista e quantidade de bens e serviços que serão contratados, acompanhada dos critérios utilizados para essa mensuração, que podem ser relatórios estatísticos de consumo na rede de saúde existente (Unidade Básica de Saúde – UBS, Unidade de Pronto Atendimento – UPA, Hospital Público), demandas reprimidas ou não atendidas do insumo, expectativas de alteração na demanda futura (construção de novos hospitais, aumento de casos notificados, novos leitos de UTI), estoque atual existente no almoxarifado, etc. Tudo isso deve estar demonstrado em memória de cálculo.

Por se tratar de desafio sanitário sem precedentes, e que, portanto, não apresenta registros anteriores de demanda, é possível que o gestor seja obrigado a efetuar diversas compras de bens ou serviços para o combate do Coronavírus. Por isso, é importante que o gestor demonstre no processo de dispensa de licitação qual critério foi utilizado para definir as quantidades estimadas, juntamente com os documentos que lhe dão suporte.

A ausência de método objetivo e documentado para justificar a quantidade de bens e serviços contratados poderá levar à:

✅ Sobra ou falta de bens e serviços;

✅ Perda de economia de escala; 

✅ Celebração de aditivos contratuais; e

✅ Repetição de contratações.

Dessa forma, é recomendado que a equipe de planejamento da contratação defina método para estimar as quantidades necessárias e documente a aplicação desse método no processo de contratação.
 
Risco#04 – Definição imprecisa (excessiva ou incompleta) do objeto
 
A dispensa de licitação com base na Lei nº 13.979/2020 (Covid-19) só pode ser realizada com especificação clara do que se pretende contratar. O objeto a ser contratado - bens e serviços - deve ser descrito em detalhes, com todos os elementos necessários e suficientes à elaboração da proposta pelas empresas. 
 
Essa definição do objeto de forma precisa, completa e adequada materializa o princípio constitucional da isonomia, ao permitir que as empresas interessadas tenham conhecimento das condições básicas da dispensa de licitação. É nesse mesmo sentido a Súmula TCU nº 177.
 
Não se contrata sem caracterizar o objeto de forma adequada. Por esse motivo, um risco significativo refere-se à descrição exagerada. A Administração deve evitar requisitos ou especificações técnicas que limitem à concorrência, ou que, ainda que não intencionalmente, favoreçam uma empresa ou fornecedor específico.

Qualquer especificação ou condição que restrinja o universo de possíveis interessados deve ser justificada e tecnicamente fundamentada no processo de dispensa de licitação (Acórdão TCU nº 1.547/2008 Plenário). 
 
Em outros casos, há o risco de as especificações serem incompreensíveis, incompletas, defeituosas. 
 
Para evitar falhas dessa natureza, a organização deve padronizar as especificações técnicas para aquisições de objetos que são adquiridos com maior frequência para o combate da pandemia, a exemplo de máscaras, luvas, sapatilhas, álcool 70º, touca, avental, cama hospitalar, ventilador pulmonar, monitor multiparamétrico, ambulâncias. 
 
Diante da necessidade de padronização das especificações, existe, na União, o catálogo de materiais e serviços (CATMAT/CATSER). Em muitos estados existem catálogos com a mesma finalidade. 
 
A definição imprecisa do objeto pode levar à aquisição de produtos de baixa qualidade, dificuldade na obtenção de preços de referência e ao direcionamento da contratação.
 
Dessa forma, a imprecisão na descrição do objeto (excessiva ou incompleta) é um risco que se concretizado pode caracterizar grave irregularidade, por ser contrária aos princípios constitucionais da isonomia e publicidade e às disposições legais vigentes.
 
Risco#05 – Publicidade precária da dispensa de licitação
 
A publicidade, expressamente consignada no caput do art. 37 da Constituição Federal, é o princípio que exige da Administração Pública a ampla divulgação dos seus atos, como forma de efetivar a transparência e coibir abusos e atos de fraude e corrupção. A transparência estatal é uma condição primária para a garantia dos direitos do cidadão em face do Estado.
 
Na esteira desse entendimento, a Lei nº 13.979/2020 determina que as contratações (dispensa, licitação, contratos e seus aditivos) realizadas para o enfrentamento do Covid-19 deverão ser imediatamente disponibilizadas em site oficial específico, de modo a facilitar a atuação dos órgãos de controle e dos cidadãos que desejam exercer o louvável e necessário controle social da gestão pública.

Essa determinação de transparência é essencial para a prevenção e o combate à corrupção, pois como já dizia Louis Brandeis, ex-juiz da Suprema Corte dos EUA, "o melhor desinfetante é a luz do sol".
 
Nesse sentido, o § 2º do art. 4º da citada lei estabelece que essa divulgação deverá obedecer, no que couber, as exigências do art. 8º, § 3º, da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), apresentando, ainda, “o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição”.
 
Não publicar a dispensa de licitação no site oficial específico ou restringir as informações divulgadas é um risco que se concretizado pode caracterizar em falha grave (Acórdão TCU nº 1778/2015 – Plenário).

Em cartilha publicada pela Transparência Internacional em 26 de março de 2020, foi reforçada a orientação aos países para divulgarem informações sobre compras e contratações em período de emergência em formatos de dados abertos e com acessibilidade para diferentes tipos de públicos [6]. 

Além dos requisitos estabelecidos na Lei nº 13.979/2020, a Transparência Internacional reforçou a importância de divulgar informações sobre:
 
✅ Especificações técnicas, quantidade e qualidade dos bens ou serviços adquiridos;

✅ Preço unitário e global dos bens ou serviços contratados;

✅ Modalidade de contratação utilizada;

✅ Registro com informações sobre a contratada: identidade, localização, dados de contato, composição do quadro societário, entre outros;

✅ Justificativa técnica e econômica da contratação;

✅ Informações sobre os requisitos de conformidade do contrato, como data, local e condições de entrega;

✅ População (grupo-alvo) ou necessidade à qual a contratação corresponde;

✅ Mecanismos e elementos para verificar a conformidade das condições de contratação;

✅ Entidade pública e funcionário responsáveis pela contratação e titular da entidade pública que realiza a contratação; e

✅ Informações sobre os resultados das auditorias realizadas nos procedimentos da contratação.

Desse modo, a ausência de divulgação no site oficial específico da dispensa, licitação, contratos e seus aditivos, realizados para aquisição de bem ou para contratação de serviços necessários ao enfrentamento das causas do Coronavírus é um risco significativo que se materializado pode caracterizar irregularidade grave, pois fere os princípios constitucionais da publicidade e da isonomia, nos termos da legislação vigente.

Nos nossos cursos de Combate à Corrupção em Licitações e Gestão de Riscos na Administração Pública ensinamos com mais detalhes outros cuidados que os gestores precisam ter para tomar decisões seguras e evitar responsabilizações sobre o tema.

Conheça nossa proposta de trabalho aqui ➡️: Combate à Corrupção em Licitações  aqui ➡️: Gestão de Riscos na Administração Pública e aqui ➡️: Licitações Públicas com Ênfase no Pregão.

Até a próxima!!

Prof. Kleberson Souza
 
______________________________________________
[1] - Consulta do valor orçado da Ação Orçamentária 21C0 – Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus, disponível em: http://transparencia.gov.br/programas-e-acoes/acao/21C0-enfrentamento-da-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacional-decorrente-do-coronavirus

[2] - ACFE, Report to the Nations on Occupational Fraud and Abuse, de 2014. Página 57, disponível em: https://www.acfe.com/rttn/docs/2014-report-to-nations.pdf

[3] - Pesquisa "Tirando a fraude das sombras – Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos 2018", publicada pela Pwc Brasil, disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/assets/2018/gecs-18.pdf.

[4] - Parecer-n-00002-2020-CNMLC-CGU-AGU da Advocacia-Geral da União, disponível em: http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/908837

[5] - Notícia publicada sobre a investigação de superfatuamento na compra de respiradores pulmonares pelo MPRJ, disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/15/mprj-investiga-se-compra-de-respiradores-pulmonares-pelo-governo-foi-superfaturada.ghtml

[6] - Guia para contratações públicas em situações de emergência elaborado pela Transparência Internacional, disponível em: https://www.transparency.org/files/application/flash/COVID_19_Public_procurement_Latin_ America_ES_PT.pdf 

[7] - Link para download de Checklist para análise e instrução de processo de dispensa de licitação para compra de bens e serviços (Covid-19): https://drive.google.com/file/d/1lwGOate5TX_eRBTr7BI-yEoQEqydlMdw/view?usp=sharing

 

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